Depois de 6 anos trabalhando em tecnologia no mundo corporativo americano, decidi pedir demissão e escrever um novo capítulo da minha jornada profissional.
A decisão de sair do mundo corporativo não foi fácil. Estava marinando a ideia desde novembro do ano passado, quando tive o burnout. Repensei prioridades, me planejei financeiramente e depois de alguns meses molhando só o pé, decidi que era hora.
O texto de hoje vem de uma reflexão dos últimos anos. Do olhar para trás. Reflexões de situações e exemplos
que aconteceram comigo e com as minhas mentoradas. Seis aprendizados de seis anos imersa em uma cultura corporativa única e interessante.
📌 Seu trabalho não vai se vender sozinho
Quando entrei no mercado de trabalho norte-americano, eu não sabia a importância de falar sobre minhas conquistas. De ser minha própria “advocate” (advogada). Achei que meu trabalho falaria por si só.
Em 2018, quando ganhei o prêmio Pass It On da AnitaB, comentei com o meu chefe que fui convidada para ir apresentar o prêmio em Houston, no Texas. Eu só estava pedindo a semana off para viajar. Ele me apoiou! E fez muito mais que isso. Enviou um email para o RH e a Comunicação Interna da empresa. Para o Marketing. Para o departamento de Vendas inteiro! Fui entrevistada pela área de comunicação externa. Meu rosto estava em todos os canais de comunicação da Dell. Me conectei com times nos EUA, Europa e Brasil.
Ali, percebi a potência de falar sobre o meu trabalho e minhas conquistas. Quando falei para o meu chefe, não imaginei a proporção que tomaria. Fui surpreendida, e ao mesmo tempo aprendi uma das primeiras regras do jogo: a de saber se vender. Seu trabalho não irá se vender sozinho.
Como mulher, brasileira, latina, com sotaque, em um espaço totalmente dominado por homens, me sentindo um peixinho fora d’água, era muito fácil me sabotar. Diminuir minhas conquistas. Olhar para o lado e não me sentir representada. Pensar que aqueles espaços não eram pra mim. Naquela situação, ter o meu gestor advogando por mim e expondo meu trabalho, foi crucial para aprender essa lição. Ele não era apenas o meu gestor, ele era o meu patrocinador.
O que me leva à 2ª lição aprendida.
📌 Ter mentores é bom, mas você *precisa* de um sponsor
Ter mentores é bom, mas ter um sponsor é crucial para navegar no mundo corporativo americano. Você sabe o quanto eu falo da importância de ter mentores de carreira. Pessoas de confiança ao seu redor que vão mostrar caminhos, compartilhar experiências, erros e acertos. Mentores são aquelas pessoas que vão ouvir as dúvidas na jornada profissional e te explicar o que aconteceu com eles, e o que eles fariam no seu lugar. Sabendo que, no final das contas, a decisão sempre será sua.
Ter mentores é essencial, mas o que realmente vai te levar mais longe é ter um patrocinador. Ou “sponsor”, como chamamos em inglês.
Um sponsor é aquela pessoa que vai falar seu nome em uma sala cheia de oportunidades. Escrevi um texto sobre como identificar mentores e patrocinadores, neste link. Aproveite e veja o vídeo da Carla Harris, veterana de Wall Street, sobre o poder do patrocínio:
O seu patrocinador vai te defender em um momento em que os cortes estiverem chegando. Vai selecionar o seu nome quando houver a oportunidade de promover alguém do time. Vai escolher você quando oportunidades internacionais aparecerem. Construir relacionamentos com o seu gestor, com o gestor do seu gestor, e outras lideranças que interagem diretamente com sua equipe é importantíssimo para buscar patrocinadores.
Te convido a refletir: você tem um patrocinador?
📌 Meritocracia não existe
A 3ª lição é o mito da meritocracia. Meritocracia significa: merito (melhores) e cracia (governo). É a associação entre os melhores talentos conseguindo as melhores oportunidades, baseados em seus talentos, performance e esforços, ao invés de posições sociais ou riqueza.
Total meritocracia não existe no mundo corporativo americano. Claro, pessoas competentes sobem na escada corporativa, pessoas de talentos recebem oportunidades e são promovidas, profissionais que performam bem são reconhecidos. Mas na maioria dos casos isso não acontece. Pelo menos não com grupos subrepresentados.
Eu presenciei, inúmeras vezes, cargos sendo reservados para filhos de líderes na empresa. O famoso nepotismo. Panos quentes serem colocados em situações para que pessoas não ficassem “desconfortáveis” com decisões tomadas. Presenciei preferências de cargos e escolhas sendo dadas baseadas na cor da pele, gênero e “broderagem” entre gestor e funcionário. Como mulher em uma área predominantemente masculina, sei que não ir no bar, jogar golf ou falar sobre futebol americano me coloca em posição de desvantagem em relação os outros pares que não são iguais a mim.
Meritocracia não existe no mundo corporativo americano. O mundo corporativo americano é um jogo, e se você quiser navegar com sucesso, você precisa aprender a jogá-lo.
📌 O recrutamento é enviesado e isso é um problema sério na retenção de talentos a longo prazo das empresas
Certa vez, estava participando de um juri para recrutar profissionais de vendas técnias para o programa de estagiários da empresa. Em uma dessas rodas, eu e mais 2 outros jurados precisávamos julgar a performance do estudante em relação a apresentação de um estudo de caso. O candidato estava nervoso, mas ele sabia explicar o problema, explicar a solução técnica e vender o produto. O outro jurado que estava comigo, homem, 40+, branco, não concordou. Disse que o garoto não “tinha fit”. Que “não apresentou de maneira profissional”.
Bom, o candidato era hispânico. Ele tinha uma personalidade característica e sotaque. E ele foi desclassificado porque um dos jurados achou que ele simplesmente “não tinha fit”.
Ali, ficou claro que, da mesma forma que eu vi isso acontecendo e tentei defender o candidato, situações iguais a essa acontecem todos os dias. Pelo simples fato do juri não ser parecido com os que estão sendo julgados.
Aprendi a usar das minhas influências com os líderes para defender candidatos hispânicos e negros.
📌 Não abandone seu salário emocional
Quando fui promovida para cuidar de uma das maiores contas na empresa, coloquei tanta pressão sobre mim que passei a me dedicar 110% para o meu trabalho do dia-a-dia. Deixei de lado as atividades extracurriculares dentro da empresa.
Parei de participar ativamente nos grupos de afinidade. Limitei essas atividades a continuar mentorando alguns estagiários. E fui diminuindo. Conversando com uma amiga, ela chamou essas atividades de “salário emocional”. Atividades as quais não fazem parte formalmente do nosso salário, mas nos preenchem. Para mim, participar dos grupos e atividades voluntárias me traz senso de pertencimento e satisfação pessoal. A partir do momento que as deixei de lado, minha energia foi por água abaixo.
Não deixe de lado as atividades extracurriculares que você participa. Saiba o quanto cada uma delas consome do seu tempo semanal, para que você não deixe a bola cair em outras áreas do seu trabalho. Converse também com o sua liderança, para que eles saibam do seu envolvimento e saibam que parte do seu tempo semanal está sendo dedicado a essas atividades.
As atividade extrascurriculares nos fazem conectar com outras pessoas da organização, abrem oportunidades de trabalho e os frutos serão colhidos no futuro. Saiba usar os relacionamentos que construir em seu próprio benefício de progressão de carreira.
📌 Seu trabalho não define seu valor como ser humano
Sua assinatura é linda, os cargos trazem um senso de importância e um quêzinho de poder. Mas não se deixe levar pelo seu título. Jogue o jogo com as cartas que você tem, nutra seus relacionamentos de valor, entenda as injustiças que estão acontecendo ao seu redor, mas jamais deixe seu cargo definir o seu valor como ser humano.
Saiba tirar o uniforme ao chegar em casa. Lembre-se que você é um número dentro da folha de pagamento da empresa, e a qualquer hora ela pode te desligar.
Lembre-se: sua saúde física e mental valem mais do que seu cargo ou seu salário.
Se você está buscando por mentoria de carreira, clique aqui e saiba como eu posso te ajudar. ♥
Com carinho e até semana que vem,
Mari
Obrigada por compartilhar Mari <3
Mari, que realidade próxima. Muitas vezes achamos que o nosso local de trabalho tem particularidades que são melhores em outros regimes de trabalho. Mas é não é bem assim.
Obrigada por compartilhar!